Em dois anos, o Plano Diretor de Goiânia aqueceu o mercado imobiliário, mas causou problemas de mobilidade e meio ambiente.
Publicado: 09/07/2024 - Fonte: Jornal O PopularEm dois anos de vigência do novo Plano Diretor de Goiânia, que implantou instrumento de aumento do território urbano, temos um mercado imobiliário que se manteve aquecido e problemas decorrentes do adensamento, como de mobilidade, meio ambiente e oferta de serviços e produtos. Mesmo sem uma expansão urbana formal, a criação da Outorga Onerosa de Alteração de Uso (OOAU) permite que áreas rurais passem a ser urbanas, o que, na visão de entidades do mercado imobiliário, é necessário para a oferta de lotes enquanto urbanistas reforçam a necessidade de observar mais critérios para liberar um aumento da cidade.
O direcionamento do crescimento de Goiânia vem sendo discutido desde a realização do Plano Diretor de 2007, quando se instituiu o tamanho da macrozona urbana em cerca de 442 quilômetros quadrados (km²). Na época, definiu-se as áreas rurais que passaram a ter a liberação para novas construções e, desde então, a cidade passou por um aumento do mercado imobiliário e a tentativa de regulação do uso dos limites do perímetro, as chamadas periferias, que passaram a receber grandes investimentos, como em condomínios horizontais de luxo, e, logo, problemas de mobilidade, planejamento urbano, densidade, meio ambiente e outros passaram a ser relacionados. Até por isso, a criação de métodos de controle ou de um planejamento mais técnico passou a ser cobrado pela população.
O Plano Diretor de 2022 não estabeleceu novo perímetro urbano, depois de muita discussão entre vereadores, entidades empresariais, técnicos e moradores, em que se chegou a ter uma proposta de aumento de até 30% da área urbana ao longo do debate. O resultado foi a criação de um instrumento que visa regulamentar a expansão urbana, de modo que se estabeleceu uma área nas macrozonas rurais em que se permite a urbanização. Desde então, o território urbano de Goiânia tem a previsão de um aumento de cerca de 1,2 de quilômetros quadrados (km²) nos próximos meses, que é o cálculo feito a partir do valor a ser recebido de pecúnia da Outorga Onerosa de Alteração de Uso (OOAU).
Ao todo, o Paço Municipal deverá receber cerca de R$ 2 milhões dos oito proprietários de imóveis que estavam em macrozonas rurais e passarão a ser urbanos que já firmaram compromisso, como determina o instrumento criado na revisão do Plano Diretor, que passou a valer em setembro de 2022. Estes números se referem aos extratos dos termos de compromisso já publicados no Diário Oficial do Município. Arquiteta e urbanista, a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Erika Kneib, explica que "é importante haver um equilíbrio entre área urbana e rural". No entanto, ela ressalta que comumente o processo de ampliação das áreas urbanas é para que sejam parceladas e ocupadas, especialmente em áreas periféricas.
"A permissão de ocupação de novas áreas deveria ser planejada de forma condizente ao aumento populacional de um município. Goiânia apresentou um crescimento populacional de 10% entre 2010 e 2022, segundo o IBGE. O crescimento populacional da região metropolitana ficou em 19%. Contudo, a situação mais comum consiste na migração de pessoas que antes residiam em outras áreas, já consolidadas e providas de infraestrutura, para novas áreas, normalmente ainda sem a infraestrutura necessária e distantes dos centros de emprego", relata. Ela considera que esse movimento pode ocasionar esvaziamento e degradação de áreas; problemas na mobilidade urbana, ambientais, sociais e econômicos; e altos custos para os municípios levarem infraestrutura.
O engenheiro e presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea-GO), Lamartine Moreira, reforça que a expansão urbana é um processo natural das cidades e que "o problema é quando essa ocupação ocorre de forma desordenada, sem que seja realizado um planejamento e programação para oferecer a infraestrutura necessária a qual a população tem direito, como escolas públicas, transporte de qualidade, postos de saúde, saneamento básico, entre outros; além da garantia de um crescimento com sustentabilidade, como um plano de drenagem urbana, coleta seletiva, controle de poluentes, etc". Erika Kneib explica que esse processo é denominado de espraiamento urbano, e normalmente gera vazios urbanos, ocupados com baixa densidade, e "prejudicando a mobilidade urbana".
Isso ocorreu nos anos 2000, com a criação do complexo de bairros Jardins do Cerrado, na região Oeste da capital, que é composto de moradias para população de baixa renda, e localizado na saída para Trindade, na região metropolitana. A entrada do Jardins do Cerrado I, por exemplo, fica a 5,3 quilômetros do bairro mais próximo com infraestrutura e ocupação na época, o Conjunto Vera Cruz.
Mercado espera consolidação das leis
A ideia da Outorga Onerosa de Alteração de Uso (OOAU) no novo Plano Diretor de Goiânia, de 2022, é que a inclusão de novas áreas urbanas no perímetro da cidade se desse a partir também de critérios técnicos, como a contiguidade e a presença de estrutura para instalação de rede de energia e água, por exemplo. Sobre contiguidade, entende-se que o bairro ou loteamento mais próximo da área a ser urbanizada esteja com pelo menos 30% de ocupação. Com isso, não haveria a possibilidade de formação de vazios urbanos. Com a OOAU, a implantação de novas áreas urbanas se dá gradativamente e não com a inclusão de espaços no perímetro urbano a partir de uma lei de expansão urbana.
Presidente da Associação dos Desenvolvedores Urbanos de Goiás (ADU-GO) e vice-presidente do Sindicato dos Condomínios e Imobiliárias de Goiás (Secovi Goiás), João Victor Araújo, afirma que o uso da OOAU está dentro do que era imaginado. "O novo Plano Diretor demora a ser regulamentado, os empreendedores ainda queriam ver como seria a Lei de Parcelamento do Solo, tem de ter a contiguidade, a infraestrutura, o recurso da pecúnia. A gente sabia que seria assim e vai ser assim, com essa média de sete ou oito processos por ano", conta. Até por isso, ele entende que a próxima gestão municipal deve dar tempo para a consolidação das legislações recém-criadas, sem pensar em uma revisão. "É cedo para revisitar esse instrumento, mas a cidade é dinâmica. É hora de escutar a população, algo que o mercado é obrigado a fazer e o poder público nem sempre faz", afirma ele.
O presidente do Secovi Goiás, Antônio Carlos da Costa, entende que a cidade avançou com o novo Plano Diretor a partir da OOAU. "Foi uma proposta nossa que faz a cidade crescer continuamente e sem a criação de vazios urbanos. Além de gerar recursos para a implantação de políticas públicas", fala sobre o pagamento da pecúnia pelos proprietários. Ele também considera que a implantação do método de expansão é novo e que, por isso, deve ser observado por mais tempo. A necessidade de ter um instrumento que aumente a possibilidade de lotes na cidade era uma demanda do mercado que aponta a falta de espaços, mesmo que a Prefeitura aponte a existência de cerca de 100 mil lotes vagos.
Isso porque a conta dos desenvolvedores urbanos leva em consideração apenas os lotes que estão ou podem estar em sua posse para a realização dos empreendimentos, o que é chamado de mercado primário. Ou seja, o lote de um novo loteamento que é vendido a um consumidor e este coloca no mercado para revenda, mesmo sem fazer a construção, não entra nesta conta. Neste caso, o levantamento mais recente da disponibilidade de lotes aponta 5,8 mil unidades disponíveis na capital e 11,9 mil na região metropolitana. Um estoque considerado baixo devido a demanda atual.
Posicionamento
Para a arquiteta e urbanista, Erika Kneib, o perímetro urbano precisa ser bem planejado e instituído de forma a estabelecer um equilíbrio entre a área urbana e rural. "Na minha visão, esse instrumento da Outorga Onerosa de Alteração de Uso é muito complicado, uma vez que fragiliza as análises que provavelmente foram realizadas para estabelecer o perímetro urbano. Assim, a gestão pública em vigor passa a ter a competência para essa definição, o que pode fragilizar o processo", afirma. Isso porque a análise sobre uma determinada área passa por um critério avaliado dentro da gestão atual, enquanto que o processo anterior de expansão, a rigor, se dava pela instituição de uma lei que tinha a obrigação de ser discutida em uma audiência pública. Ou seja, em tese, população, técnicos e políticos discutiam se determinada área deveria ser urbanizada ou não.
O presidente do Crea-GO, Lamartine Moreira, entende que a OOAU sem dúvida é um atalho para a expansão. "Esta mudança de rural para urbano deveria ser feita por meio de Lei, em discussões abertas na Câmara Municipal, inclusive com a promoção de audiências públicas para permitir a participação popular. Também é imprescindível que qualquer modificação seja feita alicerçada no conhecimento técnico de profissionais das engenharias e outras áreas que devem contribuir", avalia. João Victor Araújo reforça que a OOAU é um instrumento criado pelo Estatuto das Cidades, em seu artigo 42-B, utilizado em outros municípios brasileiros e com critérios técnicos.
Moreira reitera que, salvo nos casos em que há situações muito peculiares, a questão não é a expansão em si, mas a forma com que é feita a expansão. "É preciso atenção e planejamento do poder público para garantir a infraestrutura necessária, bem como as obras que garantam a qualidade de vida e a preservação ambiental necessária." Ele considera que a gestão municipal deve levar em conta, na discussão, a região metropolitana. Erika Kneib considera esse ponto fundamental, de modo que a questão ultrapassou o município. Ela diz ainda que é preciso fazer modelos de densidades e analisar impactos por localidades e com isso planejar e utilizar os princípios do Desenvolvimento Orientado ao Transporte (DOT) em todos os seus critérios, e não apenas no adensamento dos eixos.
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