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Não vamos deixar esse trem passar

Eng. Civil Antonio de Padua Teixeira – Artigo publicado na revista AEA - 04/10/2022

Publicado: 14/10/2022 - Fonte:




Um engenheiro apontando para o futuro

Em 1877 o eng. Militar Francisco Adolfo de Varnhagen (Visconde de Porto Seguro) havia sido encarregado pelo governo imperial de estudar a melhor localização para uma nova capital do Brasil. Após sua visita ao Planalto Central ele indicou que a melhor localização seria na “bella região situada no triângulo formado pelas três lagoas, Formosa, Feia e Mestre d’Armas” argumentando também que era “a missão que a Providência parece ter-lhe reservado, fazendo a um tempo dela partir águas para os três maiores rios do Brazil e da América do Sul, Amazonas, Prata e S. Francisco”. A região apontada por ele foi aquela onde depois seria construída Brasília.

Já havia então sido iniciada a construção de uma ferrovia, ordenada pelo Imperador Dom Pedro II, saindo de São Paulo em direção a Minas. É interessante observar um comentário que havia na documentação encaminhada anexa ao relatório, sugerindo que a ferrovia “deveria desde já para esta paragem encaminhar, seguindo algumas vertentes, a buscar, pelo caminho mais fácil, a foz do Corumbá no Paranahyba, para seguir depois aquelle rio e o S. Bartholomeu, até as cabeceiras deste.” Este é o traçado da ferrovia executada pelo 2º Batalhão Ferroviário quase cem anos depois, ligando, a partir da estação do Roncador, a malha existente até Brasília.

 

Um ponto contra e dois a favor

Esta ferrovia paulista, a Mogiana, chegou a Araguari em 1896 e parou por aqui. Para prosseguir com ela um decreto de 1906 criou a Companhia Estrada de Ferro de Goiás, encampada em 1920 pelo governo federal que modificou seu nome para Estrada de Ferro Goiás. Sua sede foi em Araguari até 1954 quando o goiano Mauro Borges Teixeira assumiu a direção da ferrovia e mudou sua sede para Goiânia, uma grande perda para a economia e consequentemente para o desenvolvimento de Araguari.

Para estabelecer a rede logística que seria necessária à construção de Brasília, uma das primeiras providências que Israel Pinheiro tomou ao assumir a direção das obras da nova capital foi asfaltar uma estrada para Anápolis, que era a estação ferroviária mais próxima. Em discurso no dia 30 de junho de 1958 Juscelino afirmou que “A rodovia Anápolis-Brasília acha-se concluída, com 130 quilômetros asfaltados, estabelecendo assim a ligação indispensável da nova cidade com a Estrada de Ferro Goiás”. No meu entendimento já está implícita aí, nesta declaração de Juscelino, a prioridade que ele sempre deu às rodovias e à indústria automobilística. Ele não fez essa “ligação indispensável” estendendo a ferrovia, que só chegou a Brasília em 1968, construída pelo 2º Batalhão Ferroviário que havia sido transferido para Araguari para esta finalidade.

A construção da hidrelétrica de Emborcação trouxe uma alteração no traçado da malha ferroviária. Com a inundação da ponte ferroviária da Rede Mineira de Viação (RMV) sobre o rio Paranaíba, que ligava Douradoquara (MG) a Três Ranchos (GO) foi construída uma nova ligação entre Patrocínio e Araguari, trazendo para cá o entroncamento ferroviário que oferece como alternativas de destino os portos de Santos (SP) e Vitória (ES). O aproveitamento por Araguari desta condição favorável até hoje se deu de maneira muito tímida.

 

Novas perspectivas para o transporte ferroviário

Está em curso o processo de antecipação da prorrogação da concessão da FCA – Ferrovia Centro Atlântica, hoje operada pela sua controladora VLi Multimodal S.A., em cuja malha Araguari está inserida. A Audiência Pública 012/2020 foi aberta pela ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres para receber as manifestações sobre esta prorrogação e o Crea-GO se manifestou contra ela através de ofício. Na proposta apresentada não estavam previstos investimentos na via permanente da malha goiana e nem no trecho entre Araguari e Belo Horizonte, onde se encontra a Serra do Tigre, notadamente no trecho entre as estações de Uruburetama e Jacarandá, um dos maiores gargalos do transporte ferroviário entre Araguari e o complexo portuário do Espírito Santo. Outro ponto questionado pelo Crea-GO foi o baixo Índice de Velocidade Média de Percurso, que iria dos atuais 14,8 km/h para 18,5 km/h em 2056.

A ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, não aceitou a proposta apresentada e a discussão continua em aberto. Acho que Araguari deveria se manifestar sobre isto, exigindo os investimentos necessários para que a ferrovia seja uma alternativa eficiente de transporte. Outro ponto importante seria a exigência de eliminação dos conflitos urbanos, fundamental para que o trem possa aumentar sua velocidade média e diminuir o risco de vidas.

A Estrada de Ferro Goiás, que levou o desenvolvimento para o interior do estado, e também participou ativamente no transporte de materiais para a construção de Brasília, está com nível de ociosidade superior a 80% na média, transportando apenas graneis agrícolas e outros produtos de baixo valor agregado. A carga existe em Araguari e na região mas ela não anda de trem. No ano de 2021 o Município exportou mais de 40 mil toneladas de carne e quase a mesma quantidade de café, tudo de caminhão. Onde estão os contêineres para fazer este transporte pela ferrovia? Rondonópolis movimentou por ela 60 mil contêineres no ano passado. Quantos em Araguari? Nem um.

Um novo Corredor CentroLeste

Na década de 1990 o Município de Araguari participou ativamente de um esforço que tinha como objetivo promover a ligação do Centro-Oeste brasileiro com os portos do Espírito Santo. Apesar de ter sido criado um consórcio entre seis estados (Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins) e o Distrito Federal, que tinham interesse nesta proposta, a tentativa não prosperou. No porto de Tubarão, especializado na movimentação de minério, não havia espaço para a movimentação de graneis agrícolas e nem interesse da ferrovia em fazer este transporte. Hoje a situação é muito diferente e o projeto pode voltar a ser debatido.

A Medida Provisória 165/2021 criou a figura da Autorização Ferroviária. Antes do seu vencimento foi aprovada a Lei 14.273/2021, que criou definitivamente este novo sistema que veio substituir o das concessões. Logo em seguida à sua publicação já foram solicitados 78 pedidos de autorização para a construção de ferrovias. Nenhum deles passa por Araguari.

O Brasil não possui ferrovias no sentido Leste-Oeste. A primeira a ser concluída com esta orientação geográfica será a Fiol – Ferrovia Oeste Leste que, em conjunto com a Fico – Ferrovia de Integração do Centro Oeste, ligará o norte do Mato Grosso ao porto de Ilhéus, na Bahia. As cargas com origem no centro do Brasil saem pelo porto de Santos ou pelos portos do Arco Norte, principalmente o de Itaqui, no Maranhão. A proposta de uma ferrovia ligando Araguari ao Sudoeste de Goiás/Sudeste do Mato Grosso, polos geradores de carga, provavelmente teria o apoio da Findes – Federação das Indústrias do Espírito Santo. Esta entidade tem trabalhado muito no sentido de atrair cargas para o estado contando com os diversos portos em fase de projeto ou construção, aproveitando o privilégio de sua costa cuja profundidade permite a atracação de navios de grande calado, com até 400 mil toneladas de porte bruto.

O transporte de minério responde por quase 80% de tudo o que é transportado pela ferrovia. Araguari não deve perder esse trem e embarcar nesse movimento que está propondo alterar de maneira significativa o perfil deste modo de transporte, atraindo para ele a carga geral, incluindo os bens de consumo e também aqueles de maior valor agregado. Ainda há tempo e vamos garantir agora o embarque das cargas para depois tratar dos passageiros.



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