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Cinco pontos do Plano Diretor de Goiânia ameaçam piorar inundações

Segundo especialistas, legislação que passou a vigorar no ano passado tem dispositivos que favorecem a ocorrência de desastres ambientais, como os ocorridos nesta semana, na capital. Prefeitura alega problema histórico e anuncia obras para ampliar drenagem

Publicado: 06/02/2023 - Fonte: O Popular




Sancionado em março de 2022 e tendo entrado em vigor desde o último setembro, o Plano Diretor de Goiânia visa conter as diretrizes para o planejamento da cidade na próxima década, que deve ser de problemas durante as chuvas. Nesta semana, a cidade foi palco para mais uma tragédia em consequência da falta de preparação para tempestades, com a morte do motociclista Warley Melo Adorno, de 22 anos, levado por uma enxurrada na Avenida C-107, do Setor Jardim América. A aprovação do Plano Diretor com o aumento da área adensável, o incentivo à urbanização da área rural e a retirada da cota de inundação no cálculo das áreas de proteção permanente (APPs) promete piorar a situação atual.

Além disso, a nova lei foi sancionada sem que fosse alterada a diretriz com relação às APPs já com ocupação consolidada, como os casos dos córrego Botafogo e Cascavel, ou seja, é permitida a continuidade da situação, mesmo em caso de novas construções no local. Outro ponto é que o Plano Diretor não atualizou o mapa ambiental da cidade, em que técnicos apontam a ausência de algumas nascentes no documento e a falta do percurso completo dos corpos hídricos. Para o diretor técnico da Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (ARCA), Gerson Neto, esses cinco pontos da nova lei ameaçam o futuro da cidade quanto à drenagem urbana.

Ele, que é especialista em planejamento urbano e ambiental, explica que sem um mapa que identifique fielmente a localização das nascentes e dos cursos hídricos, os locais passam a não ter uma APP, sendo legalmente possível uma ocupação urbana em uma área de água, para onde as chuvas vão. Sobre as espaços já consolidados nas margens dos córregos, Neto entende que exista o direito adquirido de quem está no local, mas que seria possível o Plano Diretor exigir que, em caso de venda ou realização de nova construção no local, o regramento da distância do leito do curso hídrico seja cumprido, impedindo o problema ambiental.

Engenheiro Civil e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Alexandre Garces de Araújo, afirma que o adensamento urbano é o maior problema para a impermeabilidade das águas de chuvas. Com isso, a permissão de construir os prédios mais altos possíveis na cidade em mais locais de Goiânia aumenta a possibilidade de que os problemas sejam piores nos próximos anos, especialmente nos bairros mais consolidados. “A situação vem piorando ao longo dos anos. Eu acompanho os pontos de alagamento da cidade e em 2010 eram 20 locais, hoje são 99 e os 20 de 2010 ainda continuam na lista. Não houve solução para nenhum.”

Para Gerson Neto, a maior preocupação com o adensamento é com relação à Região Norte da cidade, em que antes não se permitia a construção de prédios e o novo Plano Diretor passou a deixar essas obras em determinados locais. “Com mais edifícios ali, vai encher ainda mais o Rio Meia Ponte e agravar o problema que existe na região da Vila Roriz. A bacia hidrográfica já chegou ao limite”, considera. Situação semelhante ocorre com a regulamentação da outorga onerosa de alteração de uso (OOAU), em que passa a ser possível a urbanização de áreas rurais após processo administrativo junto à Secretaria Municipal de Planejamento e Habitação (Seplanh).

A partir disso, a área urbana da cidade, com redução do espaço permeável, favorece o acúmulo da água das chuvas, com formação de enchentes e até mesmo enxurradas. Isso ocorre apesar de o próprio Plano Diretor determinar a promoção do “aumento da permeabilidade na malha urbana de Goiânia”, em seu subprograma de Drenagem Urbana, no artigo 16. Esse tópico está entre os que propõe medidas que pretendem reduzir as consequências provocadas pelas chuvas, como a implantação de alternativas sustentáveis para a drenagem pluvial em estacionamentos abertos e ainda determina a elaboração do Plano Diretor de Drenagem Urbana. Outros pontos positivos da nova lei é a proibição do rebaixamento do lençol freático na cidade.

Cidade sem plano de drenagem

Apesar de já constar como obrigação de ser feito desde o Plano Diretor anterior, de 2007, e corroborado com a lei municipal 9.511 de 2014, Goiânia ainda não possui um Plano Diretor de Drenagem Urbana. O documento deve ser feito com base em estudos técnicos que determinam a situação de cada bacia hidrográfica da cidade, quais as cotas de inundação dos cursos hídricos e até mesmo simulações do que ocorre caso se tenha adensamento nos bairros. Para o engenheiro Civil e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Alexandre Garces de Araújo, o plano, se for bem feito, é passível de ser utilizado em todo o planejamento urbano.

Ele pode fazer essas simulações para dar condições para a Lei de Uso do Solo, fala onde pode construir mais. A questão é que sem ele as cidades não conhecem seus córregos”, diz Araújo. Segundo a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinfra), a Prefeitura possui um plano diretor de drenagem parcial, elaborado em 2003 por exigência do Programa Urbano Ambiental Macambira Anicuns (Puama), que abrange 60% da cidade. “O estudo abrange as bacias e sub-bacias dos córregos Macambira e Anicuns. Foi elaborado com simulação de cenários de ocupação e períodos diversos. Com isso, foi possível estabelecer as cotas de inundação em diversas probabilidades para tomadas de decisão.”

Segundo Araújo, o documento de 2003 foi muito bem feito e deve servir de exemplo para a realização do plano de toda a cidade. “O problema é que ele não saiu do papel e deve ser atualizado, porque não seguiu o que foi falado”, afirma o professor. No ano passado, a Agência de Regulação (AR) e a Seinfra organizaram uma comissão para elaboração do termo de referência. O objetivo é “a contratação de uma empresa especializada para elaborar o plano diretor de drenagem urbana da capital”. A secretaria considera que o plano de drenagem “depende de extensos levantamentos de informações em campo, cadastramento e monitoramento dos cursos d’água, digitalização de toda malha de drenagem da capital, incluindo bocas de lobo, poços de visita e demais dispositivos, simulações hidrodinâmicas diversas”. A informação é de que o termo de referência está pronto e a licitação deve ocorrer brevemente, segundo a Seinfra.

Araújo reforça que não basta realizar o plano. “A preocupação é que ele saia, mas fique engavetado. Tem que sair e ajustar os demais planos”, diz. Para ele, o planejamento da drenagem urbana deveria ser feita antes do Plano Diretor de Goiânia e servir de base para as diretrizes. Com a realização agora, ele deve ser usado para uma atualização da diretriz principal. Um exemplo é com relação às áreas adensáveis, por exemplo, no caso dos estudos determinarem um aumento dos problemas com as chuvas em determinada área que a nova lei pretende promover o adensamento. “O volume de chuva é muito alto mesmo, mas é uma situação que tem ocorrido todos os anos. A engenharia prevê que se tenha falhas, que seja a cada 10 anos, por exemplo, o que não pode é que isso seja todos os anos.”

Soluções em curso não vão resolver toda a situação

A Secretaria Municipal de Infraestrutura informa, com relação aos problemas enfrentados na capital em consequência das chuvas, que “ao longo da história, nenhum gestor de Goiânia investiu em projetos de drenagem urbana”. Completa ainda que “o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) vai enfrentar, e resolver o problema”. No entanto, especialistas ouvidos pelo POPULAR apontam que as soluções prometidas pela atual gestão não vão resolver os problemas de enchentes, enxurradas, alagamentos e inundações na cidade, que passa pelas situações a cada chuva acima de pelo menos 14 milímetros.

As ações apontadas pelo Paço Municipal são a limpeza dos bueiros e toda a rede de galeria pluvial, além de obras de ampliação da drenagem urbana em pontos específicos que passam por problemas. A gestão informa que “em 2022, foram limpas 39.728 bocas de lobo, 101.933 ramais e 1.290 poços de visita. Destes locais, as equipes retiraram 7.367,50 toneladas de entulhos, como lixo doméstico, sacolas plásticas, galhos, folhas, resto de construção, marmitas de isopor e roupas. Foram limpos também 1.651 unidades de bueiros/pontes”.

Quanto às obras de drenagem, em dezembro passado Cruz anunciou um incremento de R$ 67,8 milhões para 10 construções em redes de águas pluviais e asfaltamento em pontos de alagamento da cidade. Para se ter uma ideia, a Defesa Civil do município aponta pelo menos 99 locais de alagamento, sendo 27 em situação de risco. Para o engenheiro civil e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Alexandre Garces Araújo, o acréscimo de rede, de fato, gera conforto nas ruas, mas isso não ocorre nos córregos, que não suportam mais o volume de água jogado.

A explicação é que as obras de drenagem, com mais bueiros e maior tubulação para receber a água da chuva, vai impedir que o volume se acumule em determinados pontos da cidade, mas vai até mesmo piorar a situação nas travessias dos cursos hídricos. Isso porque, tecnicamente, a água vai chegar mais rápido e em maior quantidade nos rios e córregos, que vão aumentar de volume na mesma quantidade e transbordar, atingindo as ruas, pontes e até mesmo casas que ocupam suas cotas de inundação, ou seja, o espaço utilizado pelo corpo hídrico quando recebe água.

Para Araújo, a solução para impedir as cheias dos córregos é segurar a água da chuva por um tempo e ir liberando aos poucos, quando o evento climático passar. Isso se faz com o uso de bacias de contenção ou retenção, ou seja, a criação de determinado espaço antes dos cursos hídricos em que a água é acumulada, o que se chama popularmente de piscinão. Especialista em planejamento urbano e ambiental, Gerson Neto concorda que as obras previstas pelo Paço não evitam o transbordamento dos córregos.

Ele cita ainda que é preciso usar espaços urbanos para a construção dessas bacias, como parques ou praças. “O Areião, por exemplo, poderia servir para isso. Pode até ficar feio quando for chover, mas resolve o problema”, diz. Araújo também considera que a utilização desses espaços é a solução viável. Ele acredita que, apesar de ser necessária a realização de um projeto técnico, possa ser possível utilizar o Jardim Botânico, por exemplo, como contenção na bacia do Córrego Botafogo. A lei 9.511/2014 determina que todos os novos loteamentos da cidade tenham estudos e construam bacias de contenção ou retenção.

A Seinfra afirma que “todos os bairros com projetos aprovados a partir de 2012 possuem bacias de retenção”. Araújo explica que isso ocorre de fato, sendo iniciado por um processo administrativo da secretaria e que se tornou lei em 2014, mas que serve apenas para novos loteamentos. “O Jardins do Cerrado, por exemplo, tem uma bacia de contenção. A questão é que os problemas ocorrem nos bairros mais antigos. A lei tem servido para evitar que novos locais passem por isso, mas não resolve a situação dos demais bairros.”

A criação de bacias foi discutida na gestão Iris Rezende, que passou a implantar jardins de chuva em rotatórias. O princípio é o mesmo de conter as águas por certo tempo, mas em espaço menor, sendo necessário grande número de estruturas. A previsão era implantar ao menos 350 jardins desse tipo, mas cerca de 30 foram feitos. Segundo a Seinfra, os jardins “fazem parte das inúmeras ações que a Seinfra executa e planeja para melhoria do sistema de drenagem da capital”. Mas não há novas estruturas implantadas.

 

Assessoria de Imprensa do Crea-GO
Fonte: O Popular
Foto: Diomicio Gomes



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