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Plano Diretor de Goiânia e leis complementares foram alterados 44 vezes

Em menos de dois anos desde sua vigência, a legislação que prevê o planejamento da cidade pelos próximos 10 anos já está desfigurada e sem novos estudos

Publicado: 15/07/2024 - Fonte: Jornal O Popular




Após cinco anos de discussões, o Plano Diretor de Goiânia foi aprovado em março de 2022 e iniciou sua vigência em setembro do mesmo ano, quando começaram a ser aprovadas as leis complementares a ele. Desde então, passados menos de dois anos, 44 alterações foram feitas no plano e em suas leis complementares, sem que qualquer audiência pública ou estudo técnico fosse realizado, tal qual era necessário para a discussão e aprovação do plano. A maior parte das alterações aponta uma flexibilização das regras que beneficiam a instalação de empreendimentos na capital, como a criação de mais áreas adensáveis, retirada da exigência de estudos de impacto em mais locais e até a desobrigação de manter a área de reserva legal em novas áreas urbanas.

A primeira modificação ao Plano Diretor se deu ainda em dezembro de 2023, quando não havia completado nem mesmo três meses de vigência da lei. O Código de Posturas trouxe modificação ao artigo 278, em proposta do próprio Poder Executivo. Na lei original, "qualquer correção e atualização necessária nos anexos" do Plano Diretor "somente serão efetivadas pelo órgão de planejamento municipal mediante lei aprovada pelo Poder Legislativo". No entanto, a alteração faz com que um "ato do órgão municipal de planejamento urbano, de ofício ou mediante requerimento" realize "correções e atualizações necessárias nos mapas contidos nos anexos" da lei.

A mudança permite que novos parcelamentos sejam incluídos na macrozona construída, como os que receberam a Outorga Onerosa de Alteração de Uso, sem que fosse necessária uma aprovação de lei. Mas também que o Executivo, sem debate com a Câmara ou sociedade, faça a delimitação de uma Área Especial de Desenvolvimento Econômico (AEDE) ou mesmo a "inserção das demais inovações que ocorram no território", inclusão de novas áreas ambientalmente protegidas de interesse municipal, estadual ou federal e demais correções no modelo espacial da cidade.

Para a arquiteta e urbanista Maria Ester de Sousa, pesquisadora do Observatório das Metrópoles, o mapa de modelo espacial da cidade no Plano Diretor deve ser uma fotografia, exatamente para que não ocorram modificações dentro do que foi planejado na concepção da lei. "Com essa possibilidade de mudanças, sem qualquer transparência, o mapa vai sendo outro do que foi debatido. Fico preocupada com esta questão de inclusão de inovações", detalha. Ela ressalta que, para ela, o Plano Diretor deveria ser uma peça pensada para dez anos, sem que sejam feitas modificações que o alterem em sua raiz, tendo as revisões, a cada três anos, para ajustes da norma geral.

O presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (CREA-GO), Lamartine Moreira, lembra que a revisão do Plano Diretor de Goiânia deveria ter acontecido em 2017, como estava previsto no Plano Diretor anterior, que é de 2007. "O projeto de Lei propondo a revisão foi encaminhado para a Câmara pelo então prefeito Iris Rezende. Na Câmara, ele recebeu centenas de emendas e foi solicitada sua devolução ao Executivo. Ali foi feita uma 'filtragem' das emendas e posteriormente encaminhada à Câmara pelo prefeito Rogério Cruz uma nova versão, com modificações em relação àquela que havida sido discutida nas audiências públicas realizadas durante a gestão de Iris Rezende", conta ao ressaltar que esta característica "foge ao que costuma ser o rito nesse tipo de elaboração".

Uma das fragilidades do Plano Diretor, na visão da presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), Simone Buiate, é a liberação de que ele seja modificado por leis complementares. "Na Constituição de 1988 ele começa a ser obrigatório, mas não há uma solução para que ele fique nesses 10 anos", conta. Para ela, a aprovação do plano envolve todo o rito de participação popular e a lei passa a ser visada e discutida, com maior publicidade, o que não ocorre com as leis complementares. "É uma impressão minha de que essas leis passam a ser usadas para acrescentar coisas, porque aprovam com mais facilidade", diz.

Moreira ressalta que a população participa ativamente da discussão do Plano Diretor, mesmo sem ter tido todas as suas sugestões acatadas. "Após sua entrada em vigor, pode acontecer de certos grupos ficarem mais atentos aos seus interesses do que a população em geral, acompanhando bem de perto os projetos de Lei encaminhados para a Câmara. Com isso, certas flexibilizações podem não atender aos interesses da população, que geralmente não toma conhecimento de modificações tão importantes." Por exemplo, em janeiro de 2023, ou seja, apenas quatro meses depois que a lei estava em vigor, na sanção da Lei de Vazios Urbanos, 11 pontos do Plano Diretor foram modificados. Foi alterado o modelo de ocupação do solo na cidade, em proposta do Paço Municipal. Enquanto o Plano Diretor foi aprovado com a regra de poder ocupar 100% do solo em construções até 11 metros de altura e 50% para obras acima disto em toda a cidade, além de 90% do subsolo, a alteração faz com que se mantenha o índice de 100% e 50% para as áreas adensáveis e de desaceleração de densidade, enquanto nas áreas de adensamento básico é permitido o uso de 100% até 12 metros de altura.

A iniciativa da Prefeitura também retirou a necessidade de aprovação de uma lei para a definição de quais atividades econômicas necessitam de licença ambiental, o que passou a ser necessário um ato normativo da entidade ambiental do município. Em uma proposta do presidente da Câmara, Romário Policarpo, foi concedida permissão à Prefeitura para emitir o uso do solo (documento necessário para realização de obras) para a construção de chácaras e/ou sítios de recreio nas macrozonas rurais da cidade. Outra mudança, esta de autoria do vereador Denício Trindade, foi a inclusão dos bairros Residencial Guarema e Residencial Oliveira, ambos na região Norte da capital, na lista do Anexo XXIII do Plano Diretor, e do Jardim Guanabara no Anexo XXIV. Isso faz com que, no primeiro caso, os bairros que estavam no adensamento básico, cujas construções podem ter no máximo 12 metros de altura, passam a poder receber empreendimentos com construção até seis vezes o tamanho do lote, por terem seus vazios urbanos se tornado áreas adensáveis. Além disso, a ocupação dos vazios poderá ser efetivada com ou sem o prévio loteamento do solo, assim como no Jardim Guanabara e demais bairros listados no Anexo XXIV.

Mais adensamentos são liberados

Além da inclusão de mais setores na lista de bairros cujos vazios urbanos passam a se tornar áreas adensáveis, outras modificações realizadas no Plano Diretor e em suas leis complementares passam a permitir maior adensamento da cidade sem que isso tenha sido alvo de discussão popular. Entre as medidas há a ampliação do corredor exclusivo Leste-Oeste, incluindo a "Avenida Vinicius de Morais (via proposta que sai da Avenida Francisco Alves de Oliveira, do Parque Industrial João Braz, passando pelo Residencial Portinari e ligando ao conjunto Vera Cruz), Rua LRM 11, no Residencial Portinari, até encontrar com a Avenida La Paz, no Residencial Nova Aurora." A proposta foi do vereador Ronilson Reis, e aparece tanto na Lei de Vazios Urbanos quanto no Parcelamento do Solo.

A urbanista Maria Ester de Sousa explica que o modelo de adensamento da cidade de Goiânia é feito a partir dos corredores exclusivos, dentro dos eixos de desenvolvimento. O próprio Plano Diretor diz que são áreas adensáveis "os Eixos de Desenvolvimento, compostos pelas faixas bilaterais contíguas aos corredores exclusivos e preferenciais, numa extensão aproximada de 350 metros, a partir da via pública estruturadora do eixo, desde que ambientalmente aptas à ocupação e com morfologia urbana compatível com a densificação prevista". Maria Ester reforça que com a aprovação das vias como corredor Leste-Oeste, as áreas passam a ser adensáveis. "Tudo é para piorar, esticar, totalmente desnecessário. O que a cidade precisa é de uma ferramenta gestora."

A presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), Simone Buiate, considera que a inclusão de bairros ou de vias em áreas adensáveis deveria ser objeto de discussão com a população, especialmente da região afetada. "Não deveriam modificar a situação de um bairro sem que as pessoas que moram ali tenham conhecimento disto, aprovem isto. O Plano Diretor deveria ser pensado na certeza de como vai ser a cidade nos próximos dez anos, mas com as mudanças que são feitas tudo isso é contornado. Depois vemos problemas de drenagem, de trânsito, do aumento do clima, de adensamento, porque as mudanças ocorrem em locais que não foram planejados para isso", diz.

Além das inclusões do Residencial Guarema e Residencial Oliveira no Anexo XXIII do Plano Diretor e do Jardim Guanabara no Anexo XXIV, em proposta do vereador Denício Trindade, posteriormente o vereador Geverson Abel propôs a inclusão dos bairros Chácara Alto da Glória e Vila Santa Efigênia no Anexo XXIII, e Jardim Vitória no Anexo XXIV. Válido lembrar que, por isso, no primeiro caso, os vazios urbanos dos setores passam a ser áreas adensáveis e podem ser ocupados sem o prévio loteamento do solo, como os do Anexo XXIV do Plano Diretor.

Em relação a corredores, houve ainda proposta, do vereador Willian Veloso, de expansão do corredor Perimetral-Oeste, descrito na emenda como exclusivo, mas no Plano Diretor como estratégico. Neste caso, a expansão da via se dá a partir da Rua BS-39, via proposta pelo Bairro São Domingos, até a Rua BF-15, avançando pela Rua do Anil, no Bairro Floresta, e seguindo pela Rua JC-74, Jardim Curitiba. Como há diferença entre as categorias do corredor, não é precisa a questão do adensamento nas ruas citadas. No entanto, assim mesmo, as vias passam a ter uma hierarquia maior, ou seja, são capazes de receber equipamentos com maior grau de incomodidade, como indústrias, por exemplo. O mesmo ocorre com os imóveis localizados entre os trechos das vias Rua Iza Costa, Alameda dos Flamboyant, Rua dos Gerânios, Rua 6, Alameda Flamboyant, Alameda Cerrado e Avenida Afonso Pena, que passaram a fazer parte da área de influência da Avenida Perimetral Norte, em emenda do vereador Henrique Alves.

Sobre o aumento das construções com a permissão das alterações feitas ao Plano Diretor pela Lei de Vazios Urbanos, houve proposta da vereadora Sabrina Garcez, que havia sido relatora do plano durante sua tramitação na Comissão Mista da Câmara, que permite a todos os hospitais, desde que tenham cadastros de atividades econômicas da área, a serem construídos ou reformados, em qualquer local da cidade, dentro dos parâmetros de áreas adensáveis. Na lei original, essa situação só estava permitida para hospitais já existentes e aprovados anteriormente ao Plano Diretor de 2007.

Chama a atenção também a mudança no conceito de "vias públicas consolidadas", que antes era "via pública implantada, com pista de rolamento e calçadas pavimentadas" e passou a ser "vias abertas que tenham condições de circulação de veículos e/ou pedestres, pavimentadas ou não". Com isso, a implantação de Conjuntos Residenciais ou mesmo Projetos Diferenciados de Urbanização (PDUs), que antes só poderiam ocorrer no caso de terrenos com ruas e calçadas pavimentadas, poderão ser executados em locais sem esse benefício. Simone Buiate reforça que isso demonstra que uma mudança a princípio inofensiva, no conceito de um termo, traz uma consequência para a cidade.

População deveria ser ouvida

O presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (CREA-GO), Lamartine Moreira, entende que o Plano Diretor "deve ser sempre uma construção conjunta, uma vez que determina os rumos das cidades nos próximos anos". Por isso, ele afirma ser "imprescindível que a população seja ouvida, assim como os profissionais técnicos habilitados, como engenheiros, urbanistas, e outros" em modificações da lei. "As manifestações populares nas Audiências Públicas devem ser consideradas. No ano que vem deverá ser proposta nova modificação. Desde já solicitamos ao futuro prefeito que promova uma Audiência Pública no CREA-GO sobre a revisão do Plano Diretor."

A presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), Simone Buiate, também entende que as mudanças deveriam vir acompanhadas de estudos técnicos e debatidas com a população em audiências públicas. "Deveria ter o estudo técnico que baseou o Plano e não pode excluir a população."

A Secretaria Municipal de Planejamento e Habitação (Seplanh) entende que as mudanças "devem ocorrer de forma embasada em estudos técnicos, ampla participação da sociedade e realização de audiências públicas". Complementa que emendas a outras leis também podem ser utilizadas para ajustar questões específicas relacionadas ao Plano Diretor. "Portanto, a Seplanh defende que as mudanças no Plano Diretor e na legislação complementar sejam conduzidas com base em estudos técnicos sólidos, ampla participação da sociedade e debates democráticos para garantir que as decisões tomadas estejam alinhadas com o interesse público e contribuam para o desenvolvimento sustentável da cidade."

Seplanh entende que modificações são comuns

A Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh), que detém a comissão responsável pelo acompanhamento do Plano Diretor de Goiânia, informa que "é relativamente comum que planos diretores (PD) e legislações complementares sofram alterações ao longo do tempo, mesmo após um processo extenso de discussões e aprovação".

De acordo com a pasta, "isso ocorre devido a diversos fatores, tais como a necessidade de ajustes para correção de falhas identificadas na implementação, mudanças nas demandas da sociedade, novas prioridades políticas, entre outros motivos". Válido lembrar que as alterações realizadas no Plano Diretor de Goiânia passaram a ocorrer em menos de três meses da sua vigência.

O Estatuto das Cidades, lei federal que estabelece a obrigação do Plano Diretor para um planejamento municipal de uma década, prevê a necessidade de revisão da lei a cada três anos, sob a intenção de que seria o prazo necessário para identificar os processos legais. Para a Seplanh, em primeiro lugar, é preciso "esclarecer que a última atualização do Plano Diretor passou por algumas alterações na Câmara e, em função disso, foi necessário realizar ajustes na lei para viabilizar a aplicação dela".

Quanto à opinião da Seplanh em relação a essas modificações, a secretaria considera "que a realização de alterações no Plano Diretor visa garantir a implementação consistente de políticas públicas e o acompanhamento dos resultados alcançados".

Quanto à opinião da Seplanh em relação a essas modificações, a secretaria considera "que a realização de alterações no Plano Diretor visa garantir a implementação consistente de políticas públicas e o acompanhamento dos resultados alcançados".

"Um deles é a indicação de que o Plano Diretor anterior vigente tenha sido considerado muito restritivo, dificultando a implementação de projetos e empreendimentos na cidade. Nesse sentido, as mudanças buscam trazer mais equilíbrio e viabilidade para o desenvolvimento urbano." A Seplanh considera que para uma análise mais aprofundada sobre as motivações das mudanças, seria necessário examinar o contexto específico das propostas. A Seplanh considera ser natural as alterações, "uma vez que a participação dos representantes do povo na elaboração das leis reflete o desejo da população".